AS CRIANÇAS SABEM DA PAZ
Eu costumava brincar com pequenos soldados verdes. Eles lutavam e guerrilhavam enquanto eu brincava contente. Passava dias a brincar assim, feliz. A minha mãe fazia-me um sumo de laranja e deixava-me brincar no jardim, por entre as árvores, enquanto eu inspirava aquele odor surpreendentemente doce que rodeava o ar. O verde inebriante ofuscava-me a visão para lá do portão da minha casa.
E as minhas tardes de Verão desenrolavam-se assim, serenas e pacíficas. Eu sorria em todas aquelas tardes, sentia um forte sentimento apaziguador. E, à noite, voltava sempre para o quarto, para brincar com os meus soldados. Os mesmos soldados com que sempre brincava. E eles lutavam e guerrilhavam, enquanto eu brincava contente.
Eu já tinha uma certa idade, os meus doze anos, mas continuava a brincar com os meus soldados. Todos os dias. Reconfortavam-me, era o refúgio do meu dia-a-dia. Os soldados e a natureza que me rodeava revigoravam-me, pacificavam-me o corpo e a alma. Isso e os sumos de laranja doces que a minha mãe fazia, os sumos que eu dizia saberem a “amor”. E já depois dos meus doze anos, comecei a perceber que aquela paz estava prestes a esmorecer, algo para lá do compreensível sussurrava-me o decaimento dos meus refúgios.
E assim aconteceu.
Um dia, o meu pai, há muito desaparecido, telefonou-me. Nesse dia, num dia em que a minha mãe não aparecera em casa depois do trabalho, nesse dia cinzento que fazia tudo parecer mais distante e menos real, ele telefonara-me.
- A tua mãe morreu, rapaz – proferiu, no tom mais altivo, rouco e despreocupado que conseguiu impor à sua voz.
Eu parei. O telemóvel escorregou-se-me por entre os dedos e eu só pensei:
Acorda, por favor!
Mas não acordei. E aquele pesadelo puxou-me para o seu cerne, qual buraco negro a consumir luz.
A minha paz desfez-se. O meu amor retraiu-se e toda a beleza deixou de fazer sentido.
Eu costumava brincar com pequenos soldados verdes, eu costumava brincar por entre as árvores do meu jardim, eu costumava beber o sumo de laranja que a minha mãe me preparava. A minha mãe.
Hoje moro com a minha avó, numa casa pequena. De vez em quando ainda sinto a frescura da natureza, recuperei o meu amor, e construí um novo conceito de paz. Um conceito novo, só meu. Posso dizer que aprendi a viver com o que tenho e com saudades do que já tive. E se me perguntarem se sou feliz, eu respondo que sim. Porque sou. Tenho mais do que poderia alguma vez desejar ter: tenho uma mãe a guiar-me, todos os dias, uma mãe que aceita as minhas decisões sem me julgar, que me apoia sem falar e que, mesmo sem eu pedir, me agarra se eu me desequilibrar. Tenho tudo o que preciso.
Descobri a paz noutros lugares, rebusquei e encontrei-a e ela acompanha-me, tal como me acompanhava quando eu era uma criança. Ainda brinco por entre as árvores, ainda me arrepio ao inspirar o odor fresco da natureza. E a minha avó faz-me sumos de laranja, mas não sabem a amor, sabem a ternura. E quanto aos soldados verdes? Ofereci-os. Já não precisava deles, sou o meu próprio soldado. Luto pelo que quero e guerrilho pelo que me pertence, derrubo os meus obstáculos como mais ninguém consegue e atinjo as minhas metas sem derrubar ninguém durante a viagem.
Eu sei da paz, as crianças sabem da paz e quem acredita nela também a conhece.
MARGARIDA NIETO – 10ºB
* O trabalho da Margarida recebeu o 1º Prémio a nível local.